Já fiz de tudo o que você imaginar no cabelo. Pintei de vermelho, loiro (sim, é verdade!), cortei bem curtinho, deixei crescer, corte de novo, vivia passando chapinha, até que inventaram a escova progressiva. Pois é, eu passava formol no meu cabelo, literalmente. Aos 30 anos engravidei e larguei as drogas. Ops, a química. do cabelo. Durante as 42 semanas de gestação, voltei a ser refém da chapinha. Metade do cabelo estava liso pela progressiva e outra metade crescia escancarando os fios naturais. Quando meu primogênito nasceu, fui ao salão e pedi como no filme Divã “repica, Rene, repica”. Nem foi preciso fazer transição. Meu cabelo tinha crescido muito na gravidez, então cortei acima do ombro, restando só os fios naturais. Na época, a Nutura teve grande responsabilidade na mudança. Eles tinham lançado a linha Natura Plant com a campanha “ó cabelo, cabelo meu”. Eu não esqueço da música:
ó cabelo
cabelo meu
se você não fosse meu
eu não seria tão eu.
Passei a sentir exatamente isso, o meu cabelo cacheado me definia, contava uma história - e parte dela vem dos meus antepassados.
Treze anos se passaram. Há treze anos meu couro cabeludo e meus fios estão livres de química. Êeeeee. Preto é a cor natural e há quem pergunta: você não pinta? Não! Os fios brancos confirmam. Há 10 anos perdi minha mãe e eles começaram a aparecer na minha cabeça. E há, aproximadamente, dois anos, eles se proliferaram de maneira assustadora. De uns meses pra cá, eu que dizia que bancaria minha cabeça grisalha, passei a me incomodar. Passei a me questionar o motivo daquele incômodo e a resposta chegou num dia em frente ao espelho: estava ligada à dificuldade em aceitar o envelhecimento. Não só o meu, mas o do meu pai também. Eu pensava: se estou envelhecendo, meu pai também está. Eu era uma criança quando ele era jovem. Eu sou jovem agora, mas não tão jovem assim...
Cogitei a fazer luzes para amenizar o impacto, mas antes que isso fosse possível, lembrei de um livro que já estava na minha lista: “Sem tinta”, da Camila Balthazar. Ela, assim como outras mulheres, parou de tingir os cabelos na pandemia e se deu conta do que ela diz ter sido como uma descoberta de prêmio Nobel, uma espécie de revelação: “não pinto o cabelo para mim, pinto pra os outros”.. Na obra, Camila compartilha sua experiência de transição dos grisalhos e o mergulho na pesquisa que fez sobre o tema. Vale muito a leitura.
É aquela coisa, né?! Existe toda uma construção social de beleza e uma eterna busca pela juventude. O cabelo branco na mulher, é visto como velhice ou desleixo. Tenho amiga que acredita nisso. Na época em que trabalhava fora, o ambiente fazia questão de ressaltar meus cabelos brancos - que nem eram tantos assim. Quando isso vai mudar? Essa mudança não vai acontecer através de mulheres de 60, 70, 80 anos, mas sim quando mais pessoas da minha idade assumirem seus cabelos brancos. Resolvi, por hora, seguir fiel a isso.
Frases inconvenientes que quase toda grisalha escuta
Tirei as frases do livro e acho bacana como conscientização:
1. Você é nova demais para ser grisalha
2. Cabelo branco envelhece
3. Cabelo branco só fica bonito se for curto
4. Em você fica ótimo, mas em mim não combina
5. Cabelo branco tem que ser moderno
6. Mulher de cabelo branco tem que ter estilo, usar batom vermelho
7. Cabelo branco passa um ar de desleixo
Alguns trechos dos livros que conectaram comigo
O cabelo branco não tem o super poder de nos envelhecer. Ele não muda nosso ano de nascimento, não gera rugas, nem reduz o colágeno. O que se percebe afinal, é que o tingido parece nos rejuvenescer. Mas isso não significa que o branco nos envelheça. Talvez essa incômoda sensação de envelhecimento associado aos cabelos brancos seja fruto da nossa referência de beleza para mulheres sempre relacionada à juventude. Quando era jovem, ela era muito bonita, costuma-se dizer. Com medo de ficarmos feias e velhas, escondemos o grisalho durante toda a vida. Se mais mulheres jovens deixassem seus cabelos à mostra, mesmo que poucos fios, talvez esse jogo começasse a mudar.
Como diz a antropóloga Mirian Goldenberg, “cada mulher que se liberta está libertando muitas outras”. Essa liberdade, como também descobri nos últimos dois anos, tem muitos significados. Vai além da decisão sobre tingir ou não os fios de tempos em tempos; ela atravessa quem somos, como estamos no mundo e o que pensamos.
Engana-se quem acredita que a mudança seja superficial só porque é na aparência dos fios. Para a mudança acontecer aqui fora, houve primeiro uma enorme e significativa transformação aqui dentro. (Ana Fonte, atriz)
Nosso olhar no Brasil é muito voltado ao olhar do outro.
Envelhecer está associado a algo negativo. Até podemos ficar mais velhas, desde que consigamos envelhecer bem.
A jornada dos cabelos brancos não é nem longe, nem curta. Ela é o tempo ideal para você conseguir enxergar tudo o que precisa enxergar. É a transição que te dá a sustentação para você se olhar no espelho e ficar bem com o que está vendo.
“Nós contemos todas as idades que já tivemos” (Anne Lamoott)
Às vezes a gente acha que está fazendo uma escolha, mas é a cultura dentro de nós escolhendo.
O cabelo branco é uma escolha – e todas nós deveríamos ter a chance de fazer nossas próprias escolhas.
Envelhecer é uma benção. Cabelos grisalhos são sinais de sabedoria. Rugas são sinais de que você riu. Marcas na barriga são sinais belos e milagrosos de que você deu à luz. Envelhecer, estar AQUI, é maravilhoso.
“Quanto mais envelheço, mais me torno eu mesma” (Sari Botton)
Pílulas de inspiração
Escolhi manter meus fios brancos com base no meu desejo e não de um processo social. Já que queria uma mudança, fui lá e cortei. Não tão curto como sinto vontade, porque ainda me falta coragem. Mas cortei acima da nuca, deixando-a desnuda. E me senti mais bonita e autêntica.
O responsável pelo corte e pelo meu sentir, foi o profissional Din Kobutti. Encontrei ele de maneira bem inusitada no Google e me chamou a atenção a descrição “visagista emocional, transformando cabelos e vidas em arte”. Mandei mensagem perguntando o que era, como funcionava e quando vi já tinha dia e horário marcado.
A consultora de visagismo consiste em análise do emocional de cada pessoa. Din analisa você através de vários fatores, como formato do rosto, tom de pele, traços da face, faz perguntas, faz diagnósticos visual e gestual intuitivo, e então, ele sugere um corte que a gente nunca tinha pensado na possibilidade. A ideia é que o resultado valorize e transmita ainda a sua beleza natural e personalidade.
Ameiiiiiiiii o resultado! Clica abaixo para ver o vídeo:
Compartilho aqui e espero que minha escolha possa colaborar, de modo positivo, com as escolhas alheias.
Alguns perfis no Instagram que falam sobre os grisalhos e comecei a seguir:
Com afeto e coragem,
Gabi Miranda
Tá linda!!
Eu mantive os meus grisalhos por quatro anos. E comecei a desgostar. Entrei em crise achando que estava "traindo" o movimento de libertação. Mas depois de olhar fotos e mais fotos do passado entendi que nunca levei mais que dois anos com um mesmo cabelo. Já fui ruiva, morena, cabelos mel, curto, longo, liso, cacheado, com e sem franja... Cabelo sempre foi forma de expressão. Daí quatro anos com o mesmo cabelo era natural que cansasse. Pintei novamente. E estou feliz da vida.