É curioso como uma música, um livro, um filme faz sentir de modo diferente em cada pessoa. “Ainda estou aqui” é um filme baseado em uma história triste. No entanto, aqui bateu mais como um filme comovente do que triste. Mais esperançoso do que deprimente. Pra mim é um filme sobre como se reinventar.
A história é sobre Eunice Paiva e como ela se refez e recriou a sua vida após o marido, Rubens Paiva, ter sido levado de dentro da sua casa - e como várias outras pessoas nos anos 70 - sido brutalmente torturado, assassinado e desaparecido pela ditadura militar. Além também de ter sido presa, sofrido violência psicológica, ela viu sua vida ruir quando ficou sozinha tendo que criar cinco filhos.
Diante de tanta tragédia, Eunice podia ter virado uma mulher amargurada e ter se dado por vencida. Mas não, ela simplesmente (quer dizer, não tão simples assim) arregaçou as mangas e fez o que tinha que fazer. Um exemplo de algo que acredito muito: na vida você não tem de fazer as coisas só porque está feliz. Tem de fazer porque tem de fazer – mesmo estando, às vezes, triste, chateado, frustrado e, destruída, como era o caso de Eunice. A vida definitivamente não é um morango, nem uma linha reta. Ela sobe e desce feito uma montanha russa.
Paralelamente aos desafios de criar seus filhos, ela se formou em Direito aos 47 anos, virou uma ativista renomada pelos direitos civis e lutou a vida inteira para que assumissem a morte do marido e lhe garantissem o atestado de óbito. Aliás, uma das cenas mais belíssimas do filme. Quando ela pega o atestado de óbito, após 25 anos de luta, emocionada ela sorri com o documento em mãos. Parece contraditório e ela comenta algo como “imagina sentir felicidade com um atestado de óbito”. Impossível não se emocionar assistindo.
A atuação da Fernanda Torres é impecável, a ponto de fazer o telespectador sentir as emoções em cada situação. Como quando a protagonista fica sabendo que o marido foi morto. Ela está no escritório da sua casa, processando a informação que acabou de receber, sua filha caçula entra falando que o irmão quebrou sua boneca. Eunice respira fundo, se recompõe e acolhe a filha naquilo que era uma banalidade diante da sua perda. Qualquer mãe diante de uma preocupação gigante, já passou por algo parecido.
Outra cena que me marcou, é quando Eunice e seus filhos estão no carro, voltando do aeroporto ao buscar a filha mais velha que tinha voltado de Londres. A filha comenta que deixou o casaco da mãe (presente do marido Rubens Paiva) com a amiga da família. Eunice não dá muita importância e fala “não tem problema”. A filha acha estranha a postura da mãe, porque era um casaco com apego afetivo, e a questiona “está tudo bem, mãe?”. A mãe responde: “sim, imagina, nem tenho aonde usar um casaco daqueles no calor do Rio de Janeiro”. Essa cena me fez sentir assim: perdi o amor da minha vida, pai dos meus cinco filhos (nem sei como contar isso para eles), o que é um casaco diante de uma perda como essa? Daquelas lições que só aprendemos na marra, quando a vida vem e nos faz engolir a seco goela abaixo. Precisamos agradecer à vida, por tudo o que a gente esquece de agradecer o ano todo. Geralmente, não são coisas que nos completam e nos fazem feliz.
Uma outra cena impactante pra mim é quando ela se olha no espelho do elevador e se dá conta do seu envelhecimento, seu rosto com as marcas do tempo e sua luta. Pensei na frase de um quadrinho que ganhei de uma amiga: de todas as belezas, coragem. Nem consigo imaginar as batalhas que essa mulher enfrentou para conseguir o que lhe era de direito. Mas, como diz Guimarães Rosa, é isso que a vida quer da gente, coragem.
Insisto, é um filme sobre se reinventar. Eu que passei dias angustiantes na semana passada, porque desde que me separei, vivo ansiosa para a vida se aprumar, saí do cinema esperançosa. Refletindo. Mesmo quando a vida toma rumos tão sombrios, a gente tem que seguir lutando. Abrir a janela, colocar a cara pra fora, faça chuva ou faça sol. Porque a vida ainda está acontecendo. E ela se regenera.
Com afeto e coragem,
Gabi Miranda
Amei Gabi! Esse filme é maravilhoso. Talvez o meu favorito do ano..
Que linda essa newsletter! Estou em um momento de me reinventar e suas palavras me deram incentivo e coragem.