Escrevo este texto um dia antes da sua publicação. É uma segunda-feira chuvosa, depois de um feriado gostosinho, porém uma semana meio melancólica, que eu procurei ficar mais quieta tentando entender um sentimento que tenho vivido. No domingo, recebi um conselho:
"Agora tenha paciência e vá dia após dia. O tempo ajuda."
Hoje, uma amiga me disse:
"Você está com pressa de parar de sentir. E o que faz pra passar? Sente."
Bingo. Então, eu chorei pela primeira vez por algo que estava apertando minha camada muscular do coração.
Essas duas frases me atravessaram, me trouxeram clareza. E nessas horas, o que me ajuda mesmo é observar as circunstâncias, os meus sentimentos e escrever. Nossa, como escrever me ajuda a entender o que passa aqui dentro. Para acompanhar a escrita e combinar com o dia cinzento, resolvi fazer algo que minha mãe faria por mim: comida deprê brigadeiro.
Enquanto eu mexia o brigadeiro, pensava nesses “conselhos” e nas escolhas que fiz (e que grudaram um certo sentimento em mim), cheguei a uma conclusão: na vida existem decisões tipo brigadeiro de panela e decisões tipo maratona.
Quem já fez brigadeiro sabe, a melhor maneira de lavar a panela é deixá-la de molho. Se você tentar lavar na força, vai ter que esfregar muito até sair o brigadeiro grudado nas bordas. Mas se tiver paciência e deixar de molho um tempo, tudo amolece e sai fácil.
É assim com alguns sentimentos também.
Tem coisa que a gente tenta resolver no impulso, na pressa de acabar logo com o que parece um incômodo. Mas o que resolve não é força, nem velocidade: é tempo. Já diria Gil, tempo rei. É dar espaço para sentir. É aceitar que algumas dores precisam repousar antes de ir embora. Como o luto, que só passa quando a gente vive cada um dos seus estágios.
Para pessoas ansiosas (oi!) e que gostam de ter tudo sob controle, dar tempo parece o mesmo que não fazer nada. Parece passividade. Falo com propriedade disso porque quero resolver qualquer tipo de bagunça, eu preciso, por exemplo, limpar e ver que está tudo limpo, arrumado e resolvido. E eu sei que isso não é sobre organização… é sobre controle, sobre o medo de viver nesse estado em que as coisas estão em suspenso.
Mas esperar também pode ser uma decisão ativa. Um gesto de confiança. Uma escolha consciente de não fugir, de não tapar o buraco com qualquer coisa.
Porque às vezes, na pressa de não querer sentir, a gente faz escolhas que sabe que não deveria. Agimos pelos motivos errados. Como topar um encontro com aquele carinha gato-charmoso-sedutor-musculoso da lista de red flags só pra esquecer o outro por quem você ainda está apaixonada. Como tentar resolver a saudade com distração, e não com presença. Como comer o brigadeiro quente, que vai queimar a língua. No fundo, você sabe que nada disso resolve. É só sua ansiedade tentando recuperar o controle.
Corta para o dia 17 de maio deste ano: bati a perna num carrinho e ganhei um machucado digno de criança que rala o joelho no chão. O machucado tá completando aniversário de 40 dias. Se eu ficar tirando a casquinha dele (meu traço tóxico), nunca vai sarar. Serve como ilustração perfeita para o que estou falando: leva tempo pra cicatrizar qualquer coisa. Eu não preciso me punir pelo que estou sentindo, só preciso dar tempo suficiente para sentir e deixar passar.
Nesses momentos, o melhor é colocar a panela do brigadeiro de molho. Sentir o que está doendo. Dar espaço para amolecer.
Mas isso não significa que você vai parar a vida.
Aí entram as decisões tipo maratona.
Enquanto a panela está lá, de molho, você pode - e deve - comer o brigadeiro depois de frio colocar energia em coisas que exigem constância. Que te devolvem bem-estar. Que te puxam pra frente. Pra mim, por exemplo, tem sido correr. Literalmente. Me inscrevi numa maratona (ok, meia maratona) e tenho treinado. Mas essa maratona pode ser qualquer coisa: terapia, escrita, leitura, regular a rotina, aprender algo novo, sair pra dançar, visitar um museu, voltar para o pilates, fazer planos, se levar para comer naquele lugar que você está paquerando há um tempão… qualquer coisa que envolva cuidar de si com empenho. Fiz uma lista pra colocar em prática o que estou falando.
Decisões tipo maratona são aquelas que exigem esforço agora, mas trazem resultado lá na frente. Enquanto você sente, também escolhe. Enquanto algo dói ou faz falta, outra coisa (saudável) preenche, floresce. E quando você se der conta, cadê? Passou…
E no meio disso tudo, você descobre que aceitar a temporariedade das coisas é, talvez, o único jeito de vivê-las com mais verdade.
Sentir é sinal de que tem coisa pulsando dentro da gente. E se tem uma coisa que o tempo sempre prova, é que é sentindo que a gente renasce. Então, que possamos respeitar e aceitar os ritmos do tempo: o de sentir, o de permanecer, o de se despedir e o de reoganizar tudo por dentro.
Pílulas de inspiração
Estou escrevendo um livro. Pronto, falei.
E esse é um item da lista que decidi focar enquanto deixo a panela do brigadeiro de molho.
Vejo tanta gente falando abertamente sobre isso, compartilhando o processo, as dúvidas, os avanços… e eu aqui, cheia de dedos. Há semanas penso: e se eu contar também? Será que, ao tornar público, crio um compromisso mais real comigo mesma? Será que, dizendo em voz alta (ou por escrito), eu tiro esse projeto do campo nebuloso das ideias e coloco ele de vez no mundo?
Neste momento, estou naquela fase clássica de achar tudo uma porcaria. A ideia me parece boba, os textos, repetitivos… como se eu estivesse dizendo o óbvio, coisas que todo mundo já sentiu ou escreveu antes.
Tinha um projeto antigo, as cartas para minha mãe, que engavetei por enquanto. Larguei ele de lado e comecei outro, que hoje já tem mais forma e sentido. É um livro de crônicas. Textos que marcam o antes e depois de um processo de separação.
Faltava um fechamento para a fase do “antes”. Semanas atrás, ele veio. Escrevi. Nasceu! Há algumas semanas estou na fase do “depois” – que, apesar de mais leve de viver, não tem sido menos desafiador de escrever. É mais prazeroso, sim. Tem menos dor, mais respiro. Mas transformar tudo em palavras ainda exige bastante (coragem) de mim.
Dizem que quando a gente escreve, metade do texto é memória de coisas que a gente viveu e a outra metade é invenção. Sei não… acho que a escrita costuma escapar pelas bordas, faz revelar segredos, tem uma coisa bonita (e perigosa) de abrir portas que a gente nem lembrava ter fechado. Um texto sempre traz um pouco muito de quem escreveu. Talvez boa parte do que tenho escrito, seja oitenta por cento real. E os outros vinte por cento invenção.
Pra aliviar um pouco a pressão da escrita, comecei a organizar os textos, mexer na estrutura, no arquivo. Entrei em contato com a Julia Duarte – jornalista, escritora e ghostwriter, que tive o prazer de conhecer esse ano – e, pra minha sorte, generosamente se propôs a me ajudar com o processo de editoras.
Então é isso. Agora está dito. É a outra decisão maratona que escolhi focar neste momento.
Estou entusiasmada com esse projeto pessoal que, aos poucos, vai ganhando forma. Vou compartilhando aqui como anda o processo. Quer dizer, será que interessa a alguém? Me diz aí, deixa eu saber…
Entre palavras e ideias
📩 Andrea esteve pertinho do seu maior ídolo e contou na edição Tudo por um popstar.
📩 A Marina está contanto sua experiência de voluntariado nos EUA.
📩 “Às vezes, o que a gente escreve diz muito mais do que queremos, de fato, dizer”. Essa frase da Gabi, na sua edição “alguém precisa bagunçar seu texto” veio muito de encontro com o que penso sobre a escrita e tentei dizer logo acima. E ela, além de ser uma das pessoas que mais me incentiva escrever minhas crônicas, é a pessoa de confiança para quem quero muito mostrar os textos do livro.
Te vejo semana que vem?
Com afeto e coragem,
Gabi Miranda
É, Gabi, só o tempo para resolver e curar certas coisas, mas principalmente sentimentos. Passei uns 15 anos para me livrar de alguns deles.
Gabi, fiquei feliz em saber que está preparando o seu livro. A sua escrita é uma delícia. Tenho certeza de que vai ser um excelente trabalho. Boa sorte! Estarei torcendo por você.
Gabi, sua escrita é linda, e já estou ansiosa para ler!! Você é coragem e inspiração! Nem te conheço pessoalmente, mas é daquelas pessoas que a gente segue e ouve e lê tudo porque sempre aprende algo.