No divã
Dia desses assisti ao filme “um divã para dois” e fiquei deprimida. É verdade! Fui dormir com a sensação de derrota, como se eu não tivesse lutado até o fim pelo meu casamento. Calma lá! Vamos a apresentação do filme.
Um divã para dois
Dito como comédia romântica, achei que de comédia não tem nada. É uma história dramática sobre os desejos de uma mulher e as dificuldades de um relacionamento de um casal de meia-idade. Interpretados por Meryl Streep e Tommy Lee Jones, Kay e Arnold são casados por mais de 30 anos. Pude enxergar, no deles, meu relacionamento daqui a uns 15 anos, se ainda estivesse casada: uma vida pacata, com a casa silenciosa (uma vez que os filhos crescem e vão para o mundo), sem brigas, sem crises, sem traições, sem sexo…só um desconforto. Alguns podem se perguntar: mas qual o problema nisso? A rotina, a falta de planos para o futuro, as necessidades particulares sendo abafadas, a falta de contato físico, a ausência de desejo. Tudo se tornar uma prioridade, menos o casal. Esse é o problema.
Na trama, todas as necessidades de Kay, se concentram na mais intensa e imediata delas: o sexo. Sim, mulheres sentem desejo. Mulheres querem se sentir desejadas. Mulheres querem transar. Não se trata apenas disso, mas esse é um elemento que esbraveja todos os anseios daquela mulher. Ela até faz umas investidas, mas é tão difícil… há um constrangimento que envolve essa necessidade, naquele contexto e idade deles. (que impecável a atuação de Meryl!). Percebendo que suas tentativas não são suficientes, Kay toma a iniciativa de inscrevê-los em uma terapia de casal fora da cidade. O marido diz que não vai, mas ela afirma que vai sem ele. Como já é esperado, na última hora ele decide ir ao encontro dela. E aí, cara leitora, isso significa sair da rotina, cutucar as feridas e temas bem delicados para ambos. É tudo tão perfeito. O jeito de expor situações, a postura, as reações do casal. E tão delicado.
É um filme sobre recuperar o que há de essencial em uma relação amorosa. Ao terminar, como disse no início do texto, fiquei com a sensação de que não tentei de tudo para recuperar o meu casamento. Enviei mensagem para minha irmã Sofia - meu divã nos últimos 15 meses - dizendo isso e ela respondeu: cala a bocaaaaaaaa! Rimos. Nós sabemos que fiz de tudo sim, inclusive terapia de casal. Ao lembrar disso e outras coisas, fiquei ainda ruminando uma coisa: a iniciativa de fazer algo diferente em busca de uma mudança, parte sempre da mulher? Ou é impressão minha? Quando há ausência sei lá do que seja, é a mulher que nunca consegue se conformar. Para a mulher, pelo menos pra mim, manter o estado atual da vida me parece mais apavorante do que qualquer mudança drástica, seja para melhor ou pior.
Divã
Uma semana se passou desde quando assisti “um divã para dois” e resolvi rever “Divã”, com Lilia Cabral. Que filme! Para quem não sabe, ele é baseado no livro homônimo, da escritora Martha Medeiros. Tenho gostado de rever filmes antigos. Com a maturidade e a experiência, as histórias ganham novas roupagens e reflexões.
Nesta comédia romântica, Mercedes é uma mulher de 40 anos, casada, mãe de dois meninos, que decide, sem saber muito o porquê, procurar um terapeuta. Ela tem uma vida tranquila com o marido, uma melhor amiga aparentemente bem casada, só que mais conservadora. Conforme vai fazendo sessões com o Dr. Lopes, ela vai descobrindo o que a incomoda em sua vida. E, claro, adivinhe. O problema está no casamento sem atrativos. Na rotina, na falta de planos para o futuro, as necessidades particulares sendo abafadas, a falta de contato físico, a ausência de desejo.
As conversas com o terapeuta são ricas e bem como na vida real - quando a gente se propõe a se entregar ao processo dizendo o que nos angustia e de crescer com todos os nossos incômodos. Além da relação construída com o Dr. Lopes, uma que vale destacar é a relação de amizade com a Mônica. Toda mulher tem uma Mônica (ou deveria ter) na vida. Aquela amiga de todas as horas, para todo sempre, que faz o papel de um analista também, porém com um adicional: ela pode dar pitacos de maneira mais intima na nossa vida.
O filme tem muitas nuances interessantes. Em uma cena, Mercedes está pintando, o marido vai se despedir e elogia: que bonita a pintura. A tela. ainda. está. em. branco. Em determinado momento ela comenta com a amiga (ou com o terapeuta, agora não lembro): a gente não flerta mais, ele me olha com olhos acostumados. Quantas relações não chegam a esse ponto e o casal nem se dá conta?
Em outra cena, ela assiste o vídeo do dia de seu casamento e percebe o quanto foi feliz, o quanto aquilo fazia parte da história dela, mas que aquela felicidade toda já não existia mais. E aí vem um pensamento como se fosse o marido lhe falando:
E agora, Mercedes, quem somos separados? Se você não soube ser infeliz comigo, saberá ser infeliz sozinha?
No entanto, o amor sozinho não parece ser suficiente para manter firme uma edificação. Afinal, quando a rotina se instala, elimina um elemento importantíssimo de uma relação, a paixão. O amor pode não acabar, mas se não existe mais paixão, é sinal de que a pessoa pela qual você se apaixonou não exista mais também.
Acho que Mercedes percebe isso e quando descobre que o marido pode estar tendo um caso, ela nem esquenta a cabeça. Logo trata de se beneficiar desse deslize do marido e vai atrás de se divertir também, ganhando um novo fôlego para a vida. Mas aí, em determinada cena, ela e o marido, numa loja experimentando um novo colchão, percebem que não transam mais e que o casamento tinha acabado.
Ela até comenta com o Dr. Lopes: ainda nos amamos, a gente só não se quer mais. Como pode isso?
Eles continuam dividindo a mesma cama até o marido sair de casa. Na última noite, deitados para dormir, ela chama pelo nome dele, ele vira pra ela e eles têm uma tórrida noite de amor - uma despedida picante que só é vivenciada na imaginação dela. É tão frustrante.
Com a separação, Mercedes vai viver sua vida e o que ela espera? Encontrar alguém! O amor. Sempre ele permeando as nossas relações. Amo a cena final, quando o (ex)casal está num restaurante, agora como bons amigos, e ela fala sobre seu medo. O de deixar a vida passar sem dizer o fundamental.
Ainda tem um desfecho bem humorado e verdadeiro sobre o ciúmes que ela tem do ex com a atual namorada. Ela usa uma analogia do vestido Armani:
- Parece que eu peguei um vestido muito especial, um Armani, e emprestei pra uma amiga. Aí essa amiga vestiu o vestido, e o vestido ficou muito mais bonito nela do que ficava em mim. Daí ela foi pra um festão, sujou o vestido, deixou cair vinho no vestido, lambuzou o vestido e o vestido continuou muito mais bonito nela do que ficava em mim.
- Se arrependeu de ter emprestado o seu Armani pra uma amiga?
- Não, não me arrependi. Mas ela tem que cuidar muito bem, né, pra merecer.
- Senão?
- Senão eu pego de volta!"
Vejo tanta maturidade. A impressão que tenho é que apesar do ciúmes que sente, ela sabe que o vestido não lhe cabe mais tão bem. Talvez ela até quisesse que coubesse, mas no fundo ela sabe, precisa deixar que outra pessoa usufrua dele. Precisa deixar ir.
Bom, querida leitora, acho que me estiquei demais por hoje. Para finalizar, deixo aqui o que os dois filmes têm em comum: ambos trazem humanidade. Embora, tenham finais diferentes, nenhum deles mente pra gente, românticas telespectadoras. Nenhum deles faz da vida um conto de fadas.
Com amor e afeto,
Gabi Miranda