Adolescência, série da Netflix é um espelho, um grito, um alerta
Você está preparado para encarar e estar presente na adolescência do seu filho?
Na semana passada fui bombardeada por conteúdos sobre a minissérie Adolescência, da Netflix. Faço minhas as palavras da Maria Ribeiro, meu alter ego: “Eu amo e odeio ver o que está todo mundo vendo e, por outro lado, sofro quando me sinto por fora dos papos de bar, mesmo que eu não vá a bar algum.” É que nem a série Breaking Bad: eu não vi, o mundo inteiro já viu e insiste que eu preciso ver. Estou quase cedendo.
Mas Adolescência tem a ver com o meu momento de vida materna. Sou mãe de um adolescente de 13 anos e tenho consumido conteúdos sobre o assunto. Primeiro, porque costumo dizer que me recuso a chamar os adolescentes de chatos. Eu quero muito entendê-los e amá-los. Segundo, porque quero ser uma mãe melhor para meu filho adolescente. Terceiro, assim como pra ele essa é uma fase de ruptura e de muito aprendizado, pra mim também é.
Dia desses li em algum lugar que a adolescência é a última oportunidade que os pais têm para educar de verdade, transmitir valores e inserir referências que ajudem a formar um adulto bacana, funcional — ou, pelo menos, emocionalmente alfabetizado. Estou empenhada no meu papel.
Então, assisti à série. Ao final do primeiro episódio, pensei que eu não teria estômago para dar continuidade. Respirei fundo, fui tomar algo, assisti outra coisa e voltei para encarar o segundo episódio. Parei ao fim desse e fui dormir.
Acordei às 3 da manhã, muito incomodada, com a cabeça a mil pensando nos desdobramentos da série. E sem conseguir acreditar no tipo de sociedade em que a gente vive. Uma em que meninos de 13 anos matam meninas da mesma idade. Sim, porque a série foi inspirada em acontecimentos reais.
Quando finalmente consegui dormir de novo, já estava amanhecendo. E quando acordei de verdade pra viver mais um dia, foi com disposição pra terminar a série logo de manhã — pra tentar diluir ao longo do dia as sensações que ela me causaria. São quatro episódios intensos, angustiantes e indigestos.
Comentei no meu Instagram que estava assistindo e logo vieram várias mensagens:
“Você acha que ele matou mesmo?”
“Você acha que o menino era gay?”
“Eu não entendi nada, me explica o que você entendeu!”
Eu acho que a série não é tanto sobre ele ser culpado ou não, mas sobre muitas outras coisas como: saber o que nossos filhos estão fazendo, consumindo, com quem estão interagindo, o que os aflige; é sobre a nossa falta de controle; sobre o acesso (precoce e ilimitado) às redes sociais; sobre a linguagem adolescente e os códigos que usam entre eles na internet; bullying; machismo; misoginia, autoestima, nudes – e o comportamento dos meninos em relação a isso; a dor que é crescer; a culpa e sofrimento dos pais.
Hoje em dia vejo meninas e meninos de 7, 8, 9, 10 anos com conta no Instagram e, sinceramente? Julgando sem querer querendo, acho um absurdo. Se a rede social já é um abismo pra gente, que tem (ou deveria ter) algum senso crítico, imagina pra uma criança/adolescente? Será que estamos mesmo vendo o que nossos filhos estão fazendo... e o que (estamos) estão fazendo com eles?
Vamos entender dois termos citados na série?
É aí que entram dois termos que aparecem na série e que, se você piscou, talvez tenha deixado passar: incel e redpill. Soam como nomes de remédios (ou suplementos que prometem milagres em três semanas), mas não se engane — são bem mais tóxicos. Um deles era completamente desconhecido por mim (e me senti uma analfabeta): incell. E o outro: redpill.
A palavra incel vem de involuntary celibate (celibatário involuntário). É usada por homens (geralmente jovens) que se sentem rejeitados sexual ou romanticamente pelas mulheres. Mas o termo vai muito além…
Na internet, incel virou uma subcultura tóxica em fóruns e comunidades online, onde esses homens culpam as mulheres por suas frustrações. Muitas vezes, esse grupo carrega discursos misóginos, violentos e perigosos — com uma mentalidade de que "as mulheres só querem os homens bonitos/ricos" e que "homens normais estão condenados à solidão".
No terceiro episódio, a cena que me pegou é quando Jamie pergunta à psicóloga: você gosta de mim? Esse questionamento escancara tanta coisa, principalmente a autoestima dele. Será que estamos dando a devida atenção a autoestima dos nossos filhos? É na infância que a autoimagem é construída. A autoestima é a percepção e o sentimento que cada um tem por si mesmo. Isso leva a pessoa a ser capaz de confiar, de respeitar-se e gostar-se. Sem autoestima, o processo é inverso.
Já a palavra Redpill vem de Matrix, lembra? No filme, tomar a pílula vermelha (red pill) significava despertar para a verdade oculta da realidade. Só que esse conceito foi cooptado por grupos masculinistas na internet. Hoje, quem se diz redpillado costuma acreditar que despertou para “as verdades” sobre as mulheres, relacionamentos e a sociedade — segundo eles, um mundo em que as mulheres têm o poder, manipulam os homens, e só querem vantagens.
Na prática, o discurso redpill reforça estereótipos machistas, incentiva a competição entre homens e defende comportamentos controladores e abusivos disfarçados de “autoconfiança” ou “masculinidade de verdade”.
Ou seja, estamos falando de uma sociedade em que adolescentes estão navegando na internet, expostos a discursos de ódio, violência simbólica e emocional, baixa autoestima e ideias distorcidas sobre masculinidade. Tudo isso com um celular na mão, e às vezes trancados no quarto ao lado — e a gente achando que eles estão vendo tutorial de Roblox*.
Como conhecer e se conectar com os adolescentes
Dia desses, eu falava com uma amiga o quanto tenho buscado me conectar com meu filho tendo interesse pelo seu universo. Eu e minha menina, temos muitas afinidades. Até de ler ela gosta. Já meu filho, gosta de Lego e se eu deixasse, passaria 24h no videogame – jogando online, o que pra mim é sinal de perigo. Hoje ele só tem permissão para jogar com os amigos. E eu não tenho habilidade nenhuma com videogame, nem saco pra isso. Ouço o que ele me conta de novidades, me mostro interessada e tals, mas tenho buscado outras conexões entre a gente. Como assistir com ele filmes e séries que ele gosta, ouvir suas músicas de preferência, ter um momento só eu e ele, receber seus amigos adolescentes em casa, conversar com eles abertamente, leva-los ao cinema. Ganhei até, entre eles, a fama de “mãe legal”. Eu quero ser a mãe legal, mas acima de tudo, quero ser a mãe presente, afetiva e não permissiva - na minha casa não pode tudo, tem hora para dormir, tomar banho, almoçar, jantar, ler, tempo controlado nos eletrônicos, tem nãos.
Adolescência não é só uma série
Voltando a série. O Jamie, o menino de 13 anos acusado de matar a colega, parece um garoto comum. Eu fiquei assistindo imaginando o que acontece dentro da casa dele. Será que tinha um pai abusivo, será que era a mãe, o que acontecia entre as paredes daquele lar? Pois quando ele vai preso, a família não entende nada e conforme o tempo vai passando, se vê diante de um desconhecido. Eu assisti ao primeiro episódio revoltada do tipo “como estão fazendo isso com uma criança de 13 anos???”. É um tapa na cara de quem ainda acha que o maior problema do filho é “ficar muito tempo no celular”. A realidade vai sendo escancarada na série de um jeito que não dá pra desver. E a cena que mais me tocou foi no último episódio, os pais de Jamie no quarto tentando entender e medir o quanto eram bons pais, onde eles tinham errado. Então, o pai diz:
- Quando eu tinha a idade dele, meu pai me espancava. Às vezes, ele tirava o cinto e me batia sem dó nem piedade. E eu prometi a mim mesmo que nunca faria isso com os meus filhos. E mantive minha promessa. Eu queria ser um pai melhor. Mas será que eu sou? (…) talvez eu tenha sido um pouco omisso. Se meu pai me fez, como fiz aquilo?
A cena inteira é a coisa mais tocante e confirma uma coisa que acredito muito: podemos ser os melhores pais do mundo, devemos ser. Mas não dá para imaginar o que nossos filhos vão se tornar, o que vão fazer. A gente faz o nosso melhor, contando que estamos acertando, contando que eles se tornarão o melhor de nós.
abre parênteses para compartilhar um conteúdo bem legal sobre a série. Dr. Leandro Barreto compartilhou em seu Instagram:
(…) vivemos hoje um abismo geracional. Fomos criados com repressão, gritos, palmadas. Juramos fazer diferente. E fizemos — talvez demais. Demos liberdade total, como se dizer “não” fosse um crime. Passamos da rigidez para a permissividade absoluta. “Meu filho, ninguém corrige.” “Corrigir? Nem pensar.” Mas sem limites, a criança não se sente amada — se sente perdida. Vale muito ler o post completo AQUI.
fecha parênteses.
Eu chorei descontroladamente ao fim do último episódio. Eu queria abraçar aqueles pais. Porque ser mãe ou pai de adolescente é caminhar num campo minado com os olhos vendados, mas o coração escancarado. A gente vai errar, claro. Mas se a gente estiver presente, interessado, disponível — talvez nossos filhos sintam-se tão amados que não precisem procurar respostas nos becos mais escuros da internet. Talvez eles nos procurem primeiro. No fim, Adolescência não é só uma série. É um espelho. Um grito. Um alerta. Os adolescentes estão falando — só que em outra língua, cheia de códigos, gírias e silêncios. E a gente precisa aprender a escutar antes que o silêncio vire tragédia.
Curiosidade
*Roblox é uma plataforma online de jogos voltada principalmente para crianças e adolescentes. Mas não é só um joguinho: é um universo onde os próprios usuários podem criar, jogar e compartilhar jogos feitos por eles mesmos. Apesar de parecer inocente, o Roblox não é totalmente seguro sem supervisão. Ele tem conteúdo criado por usuários, então pode aparecer jogo com tema inapropriado, linguagem imprópria no chat e até tentativas de aliciamento. Por isso, muitos pais e especialistas recomendam atenção e configuração de controle.
Entre palavras e ideias
📩 Amei esse texto da Gabi no qual ela se demonstra saudosa e nos lembra a importância de escrever nossas histórias. Achei lindo e inspirador.
📩 Para ler e dar de presente: Clay: que forma você quer ser quando crescer. Livro da minha amiga escritora Marina e de quem tenho sentido muito orgulho.
📩 Nasceuuuuu! A Andrea também está com seu livro na pré-venda, o Engravidei. E estou muito orgulhosa das minhas amigas escritoras que me inspiram cada dia mais.
Te vejo na semana que vem?
Com afeto e coragem,
Gabi Miranda
Parabéns pelo texto !
Um de nossos colunistas fez uma análise política sobre a série. Compartilho, caso queira conferir:
https://substack.com/home/post/p-160643421?source=queue
Abraços
Amiga, ainda não vi essa serie. Acho que vai me perturbar tanto, que não tive coragem. Acho que vou me contentar com sua análise, que está maravilhosa.