Caríssimo, ex-maridos!
Como está sua vida pós-divórcio? Imagino que a paz de espírito esteja ótima, não é? Vocês não têm mais que lidar com discussões sobre a tampa do vaso sanitário, pedir para pendurar a toalha, mandar tomar banho, fazer lição de casa, ir pra cama, acordar, fazer lancheira, levar e buscar da escola. Não precisa mais cuidar da alimentação, da rotina e tudo mais. Mas hoje eu não estou aqui para falar de toalhas ou tampas ou rotina. Estou aqui para conversar sobre algo muito mais importante: ser pai. Sim, isso mesmo. P-A-I.
Ser pai vai muito além de levar para jogar bola ou de pagar a pensão. Embora, vamos combinar, isso é o mínimo. Não é um favor, é responsabilidade. Mas ser pai de verdade é muito mais do que assinar um pix mensal. Vamos desmembrar isso? Aqui vai uma listinha básica, na minha opinião (e na de 99% das mães do universo), sobre o que é ser um bom pai. Contém deboche (e dor).
1. O básico: estar bem informado
Não é porque você não mora mais com seus filhos, que todas as responsabilidades devem recair sobre a mãe. Você sabe qual é o dia da reunião de pais? Os dias das provas? Seu filho precisa ir a alguma consulta médica? Precisa fazer exames? Tomar vacina? Qual foi a última vez que ele foi levado ao pediatra? Está na hora de se informar e participar. Dica: pelo amor dos deuses do Google Calendar, saiba quando é o dia da feira de ciências, converse com a mãe e combinem como farão sobre todas as atividades. Não fique esperando a mãe dar comando – agora ela tem um filho a menos (sim, é de você que estou falando).
2. Divisão de tarefas que não envolvem videogame
Só pra esclarecer: brincar de videogame com os filhos é muito legal, mas isso não é ser um "super pai". É entretenimento. Ser pai é participar das tarefas chatas também: ajudar no dever de casa, lavar aquele uniforme de futebol encardido, lembrar que existe algo chamado "merenda" e, ocasionalmente, cozinhar algo que não seja miojo.
3. Empatia: crie laços de verdade
Filho não é só uma extensão do seu ego. Ele não está aqui pra ser a réplica dos seus sonhos frustrados. Ouça. Pergunte como foi o dia, o que ele anda lendo (ou assistindo, porque a geração TikTok é visual). E, por favor, não dê respostas automáticas como "legal" ou "boa sorte". Envolva-se, dê conselhos, conte histórias que não terminem com "e foi assim que eu virei um herói", incentive, estimule um trabalho que a mãe pode estar fazendo sozinha do lado de lá.
4. Participar é diferente de estar presente
Estar presente fisicamente é fácil. Sentar no sofá enquanto as crianças ficam no celular não te faz um pai participativo. Participar é ir ao médico com eles, é levar ao dentista, é se preocupar se estão comendo brócolis e não só nuggets. É ir à apresentação de balé, mesmo que você prefira estar assistindo à final do campeonato. É fazer a lição de casa. É cortar as unhas da criança (não, isso é higiene básica). É passar protetor solar, repelente (não, isso é o básico do cuidado).
5. A convivência não é negociável
Vamos conversar sobre finais de semana alternados? Se você tem a sorte de ter esse sistema, entenda que "seu final de semana com os filhos" não significa largá-los na casa da sua mãe enquanto você sai pra beber com os amigos. Não significa "assistir futebol enquanto eles brincam no quarto". Significa ser a figura paterna que eles merecem, com dedicação, planejamento e amor.
6. Não terceirize o emocional
Problemas na escola? "Conversa com sua mãe." Crise de adolescência? "Sua mãe resolve." Não. Não é assim que funciona. Você é metade da criação dessas pessoinhas e precisa estar emocionalmente disponível para eles. Não empurre tudo pra outra metade do coparental. Converse com a outra parte. Dialogue.
7. Não terceirize a responsabilidade para o menor
Perguntar para uma criança se ela prefere ir para a escola ou ficar em casa, é comportamento de um adulto disfuncional. Não é a criança se decide se vai para a escola ou não. O mesmo vale para outras situações:
Perguntar se ela quer tomar banho, em vez de simplesmente orientar que é hora do banho.
Deixar que a criança escolha se quer fazer a lição de casa ou não, como se fosse uma opção e não uma responsabilidade.
Pedir para o filho decidir com qual dos pais quer passar um feriado ou um fim de semana, jogando sobre ele um peso emocional que não deveria carregar.
Perguntar "o que você quer comer?" o tempo todo, ao invés de oferecer uma refeição equilibrada e ensinar a importância da alimentação.
A criança não tem maturidade para tomar decisões que impactam sua educação, sua saúde e seu desenvolvimento. Quando o adulto delega essas escolhas, na verdade, está fugindo da própria responsabilidade. Isso gera insegurança, confusão e, muitas vezes, consequências difíceis de reverter.
Criar um filho não é sobre ser permissivo ou agradá-lo o tempo todo. É sobre oferecer estrutura, segurança e condução. A criança precisa de referência, não de um adulto que age como se fosse um colega de idade.
8. Sobre responsabilidades financeiras
Vamos falar de dinheiro. A pensão é para as crianças, e se você acha que aquele valor cobre tudo, sinto informar: não cobre. Não cobre nem de longe. Filho gasta muito mais do que você imagina (e você sabe, conviveu com eles diariamente antes de se separar). Entre escola, roupas, remédios, passeios e atividades extracurriculares, o dinheiro evapora. E não, a mãe não está usando a pensão pra comprar bolsas, viajar ou ir ao salão. Ela está segurando as pontas, muitas vezes com bem mais do que você contribui. Então, antes de reclamar ou questionar, pergunte-se se você está fazendo realmente sua parte.
9. O esgotamento mental da mãe
Em nono, mas definitivamente não menos importante: vamos falar sobre o que é carregar o mundo nas costas. Enquanto você cumpre sua "agenda de pai" de finais de semana alternados e pensão depositada (que você ainda questiona), a mãe está gerenciando tudo o que acontece entre esses intervalos. É um trabalho mental que não para: lembrar das vacinas, organizar as atividades extracurriculares, fazer malabarismos com a rotina de trabalho, casa e ainda ter energia para ser emocionalmente presente para as crianças. Esse esgotamento mental não tem pausa, não tem fim de semana livre. Então, se você acha que o que faz já é suficiente, pense novamente. O que você pode fazer para aliviar essa carga? Sim, o mínimo é pagar o valor da pensão acordada.
10. O significado e a evolução do conceito FAMÍLIA
A palavra família vem do latim, e era usada para se referir a um conjunto de escravos ou servos que viviam sob o mesmo teto. O chefe das famílias romano incluía na família a mulher, filhos e servos, além dos escravos. Porém, veja só, o conceito de família evoluiu ao longo das décadas, ajustando-se às mudanças sociais e culturais, tornando-se algo mais diversificado - assim como há várias formas de amor, há vários formatos de família. Se os pais se separaram não foi por falta de amor, muito pelo contrário, foi pela transformação desse amor que às vezes vira um afeto tão tão tão grande que converte em amizade. Um relacionamento amoroso pode acabar, mas a família continua sendo uma família.
Porque família não é sobre um estado civil, e sim sobre laços. É sobre compromisso, cuidado, presença, memórias. Quando há filhos, há um vínculo que transcende qualquer documento ou convenção. A separação pode mudar rotinas, endereços e até dinâmicas, mas não apaga o que foi construído. Pai, mãe e filhos seguem sendo uma família, ainda que agora sob tetos diferentes.
E, talvez, seja essa a maior prova de amor: reconhecer que a estrutura pode mudar, mas o compromisso com os filhos permanece. Eles não precisam escolher lados, nem sentir que perderam algo. Pelo contrário, ganham pais que, mesmo separados, continuam sendo parceiros, referência, afeto. Porque quando há amor e respeito, a família não se desfaz. Ela apenas se transforma.
Por fim…
…queridos ex-maridos, ser pai não é só levar para casa no final de semana, estar na foto do Dia dos Pais no Instagram. Não é só levar pra comer hambúrguer uma vez por mês e sentir que cumpriu sua cota. É construir memórias, é levar para fazer os benditos dos exames, ser porto seguro e ensinar que o mundo pode ser um lugar cheio de amor e cuidado.
Se você acha que está mandando bem, parabéns. Se você leu isso aqui e se identificou com os clichês que mencionei... bem, é hora de evoluir. Por você e, principalmente, por eles.
Ass.: uma mãe separada
Pílulas de Inspiração
💊 As imagens desse texto fazem parte do trabalho de de Giselle Dekel, uma artista austríaca que, ao lado do marido e de quatro filhos, encara a realidade da vida moderna através da sua arte — de um jeito que nem sempre vemos representado. Carga mental, pressão estética, tarefas domésticas, cuidado e expectativas irreais impostas às mulheres são alguns dos temas que ela transforma em traços delicados e cores suaves.
💊 Na semana passada eu já indiquei aqui o podcast “O estranho familiar”, com Vera Laconelli e agora insisto na indicação. No último domingo, ouvi o episódio com a Tati Bernardi. Confesso que tenho um misto de sentimentos sobre ela — que às vezes me cansa —, mas, quando percebi, já estava na metade do episódio, emocionada e chorando com seu relato. Me deu vontade de tomar um café com ela. De certa forma, senti como se tivesse recebido um abraço, pois foi a primeira vez, em dois anos, que ouvi alguém "famosinho" falar abertamente sobre o fim de um casamento, demonstrando toda sua vulnerabilidade. Ela contou que se separou porque percebeu que o relacionamento tinha virado apenas amizade. Disse que se separar foi um ato de coragem, mas que só conseguiu porque não fazia ideia do que viria depois. Se soubesse o tamanho da dor, talvez tivesse sentido mais medo. Já se passaram dois anos e meio e, ainda assim, ela sente que vive um pouco esse luto. Bom, aí ela fala desse lugar da família, da representação e da falta que ela sente disso por vir de uma bem pequena e o quanto isso impacta no fim do seu casamento. Enfim, eu me identifiquei muitíssimo.
Entre palavras e ideias
📩 O texto publicado hoje não parece muito meu jeitinho. Ou talvez seja, e eu só precise desbravá-lo melhor. É difícil me reconhecer nele, mas tenho pensado muito sobre o papel da escrita na minha vida — esse exercício de escrever no impulso, de transformar um acontecimento pessoal (ou não, porque nem sempre precisamos falar de nós mesmos) em algo que possa ressoar no outro. A escrita também pode ser uma forma delicada de revolução. E precisamos praticá-la também como disse a Gabi sobre a escrita baseada nas sensações - que nem sempre são de sentimentos bonitos, mas também de raiva.
📩 Esse texto da Marina sobre medo do fracasso, me lembrou um pouco o medo de dar certo que tanto fala a Natália Souza, do podcast Para dar nome às coisas. Comentei lá no post dela e, logo depois, me peguei refletindo: como conseguimos ser tão generosos com as palavras quando se trata do outro, mas não conseguimos ser assim com nós mesmos?
📩 A Andrea compartilhou uma reflexão interessante sobre a escuta e indicou o livro “A arte da escrita”, da Julia Cameron. Droga, era só para eu colocar na minha lista, mas acabei comprando para aproveitar o preço irresistível na Amazon.
Até semana que vem!
Com afeto e coragem,
Gabi Miranda
dá raiva, ter que explicar algo que parece ser tão óbvio. esse, sem dúvida, é um texto sensação. parabéns amiga! mas, sinceramente? desejo que as mães precisem ser cada dia menos guerreiras.
Gabi, eu só lembro de Içami Tiba que dizia não existir ex-pai porque filho é para sempre. Ele dizia isso porque fazia questão de mostrar o quanto muitas vezes os homens transformam seus filhos em ex-filhos quando se separavam. Conheço um pai que abandonou completamente o filho após a separação. E nesse caso, foi bem difícil de entender. A criança ficou traumatizada e a mãe vive uma vida muito difícil porque precisa muito da ajuda do ex-marido e ele, apesar de já ser bem maduro, se comporta como um adolescente irresponsável. Então imagino o quão duro deve ser viver um cenário como esse.